Fomos à nova casa de Benfica conhecer Sandra Anastácio, fundadora desta fantástica Instituição de Solidariedade Social. Numa inspiradora conversa, Sandra mostra-nos o quanto a esperança e o sentido de missão servem de lanterna para acreditar que dias melhores virão para todas as crianças que lá entram. Sem dúvida, a Ajuda de Berço tem feito um caminho notável, desde a sua fundação.
À conversa com Sandra Anastácio na nova casa da Ajuda de Berço
Na Ajuda de Berço, cerca de 40 crianças encontram todos os dias o colo e o abraço de que tanto precisam. Fomos à nova casa de Benfica conhecer Sandra Anastácio, fundadora desta fantástica Instituição de Solidariedade Social. Numa inspiradora conversa, Sandra mostra-nos o quanto a esperança e o sentido de missão servem de lanterna para acreditar que dias melhores virão para todas as crianças que lá entram.
1. Conte-nos o seu percurso até chegar aqui, a esta casa maravilhosa cheia de luz. Começou pela Ajuda de Mãe, que fundou apenas com 18 anos! Como é que teve esse apelo em tão tenra idade?
É sem dúvida por influência familiar. Tinha uma avó muito religiosa, muito preocupada com os pobres, eu própria tinha vindo de África na situação da guerra, os meus pais muito religiosos e preocupados também em ajudar o próximo.
Tudo mudou quando entrei para a faculdade. Sou confrontada com mães adolescentes. Isto aos 18 anos é chocante, e, há 30 anos atrás ver adolescentes com 14 anos grávidas, para mim foi absolutamente aterrador. E esse foi o meu apelo. Ajudar. Pensei “esta vai ser a causa da minha vida”.
Comecei por fazer voluntariado nesta casa que acolhia mães solteiras adolescentes, Casa de Santo António, que hoje ainda existe. Daí, fui convidada para fundar a Ajuda de Mãe. Achei fascinante!
Estava a tirar Direito na altura e pensei que não seria fácil conciliar tudo, até porque o voluntariado ocupava grande parte do meu tempo. Decidi mudar de curso para Sociologia, que era um curso que me permitia abraçar o voluntariado, estudar as causas que levam as pessoas para estas margens da sociedade e ajudar, que era de facto o que eu queria fazer. Não sabia de que forma, mas quando temos missões as coisas naturalmente surgem na nossa vida.
2. E como surgiu a ideia de fundar uma Associação como a Ajuda de Berço? qual o seu maior propósito?
Fui convidada para fundar a Associação Jovens Pró-Vida e depois a Associação Ajuda de Mãe. Na altura, estava a terminar o meu curso, e a Ajuda de Mãe precisava de uma profissional da área das Ciências Sociais que montasse uma residência de acolhimento para grávidas com mais de 25 anos, vítimas de violência doméstica.
Assumi a responsabilidade e coordenação desta residência: montar um apartamento a pensar em 10/12 mães que iam entrar naquela casa grávidas e que precisavam de ajuda.
Foi o desafio da minha vida, de facto. Comecei a aprender mais sobre a sexualidade e a dar formação a estas mulheres nesta área, numa altura em que a pílula e o preservativo eram tabu. Sendo uma das ativistas contra o aborto, decidi dar formação e conhecimento a estas raparigas. A minha causa é ajudar estas mães que tanto precisam e apresentar alternativas ao aborto, onde as mães possam deixar os filhos crescer com dignidade.
3. Quantas casas tem atualmente a Ajuda de Berço?
Temos 3, sendo que a terceira casa será para substituir a primeira casa no bairro Quinta do Cabrinha, em Alcântara. Com o passar dos anos, a casa deixou de ter condições mínimas necessárias para o acolhimento de crianças. Portanto, esta casa de Benfica irá garantir a transferência de 20 crianças e abrir mais 15 vagas para crianças em situação de abandono, mais crescidas e com doenças crónicas. Este novo centro já irá permitir tratar dos cuidados de saúde necessários.
4. E quantas crianças ao longo destes 23 anos de existência a Ajuda de berço já acolheu? E até que idade as crianças ficam em média, na vossa Instituição?
Já acolhemos 425 crianças. Algumas têm um acolhimento curto e outras um acolhimento muito prolongado. Há crianças que ficam uma semana e outras que estão connosco há 9 anos, por exemplo. Quando há uma solução na família alargada, é onde procuramos primeiro.
5. O que sente quando as vê partir ou ficar? Sabemos que nem todas as histórias terminam numa nova família e algumas crianças vão ficando e crescendo na família da Ajuda de Berço.
Desde o primeiro dia que entram, sabem que estão num tempo de espera. A comunicação com elas é sempre muito transparente. Elas sabem que numa família é o melhor lugar onde podem estar. Nós adultos sentimos um privilégio enorme quando apresentamos uma família a estas crianças, e mostramos este amor. É fascinante! E quase sempre é amor à primeira vista!
6. Em 23 anos de história, mantém algum contacto com as crianças após integrarem as famílias?
Esta instituição é um tempo de espera, ninguém está aqui por um bom motivo. Quando as crianças saem daqui, são equipas como a Segurança Social e a Santa Casa da Misericórdia, que ficam a acompanhar para determinar se não é necessário voltar atrás.
As crianças que chegam até nós, vêm porque alguma coisa foi interrompida de forma abrupta e má. Tentamos que a vida aqui seja a melhor possível, mas elas saem para o sítio certo. O meu propósito é ajudar crianças, e não ficar com elas.
7. Sabemos que a Sandra tem 3 filhos. Que ensinamentos fez questão de lhes passar?
Os meus filhos nasceram com a Ajuda de Berço, o que foi muito protetor para mim. Estava a ter bebés quando estava a receber bebés na Ajuda de Berço pela primeira vez. Tornei-me uma mãe mais possessiva com os meus filhos, entendia o que poderia melhorar para me tornar uma melhor mãe. Acabei por ter uma capa de proteção relativamente às minhas filhas.
8. Calculamos que gerir várias casas, com tantas crianças e inúmeras necessidades deve ser muito desafiante, e entre outras questões que, ao nível financeiro, deve ser um grande barco. Como consegue gerir esta constante preocupação de recursos materiais e financeiros?
Nós temos um orçamento anual de cerca de 1,5 milhões de euros. O dia a dia aqui é sempre imprevisível, apesar da agenda. É estar ao sabor dos desafios, é estar ao serviço. Eu tenho fé. Eu sou a pessoa que organiza e faz a “máquina” andar, mas a Ajuda de Berço é obra de todos nós. As pessoas vão percebendo as necessidades, a credibilidade e a utilidade do trabalho da Ajuda de Berço.
9. De que forma as pessoas podem ajudar a Associação? Sabemos que semanalmente colocam no site as necessidades do mês, pode explicar melhor esta ação?
As redes sociais ajudam-nos bastante, é estarem atentos às campanhas e angariações de fundo. Podem contribuir com aquilo que têm, tudo é importante como produtos de higiene e alimentação, por exemplo.
Geralmente trazem-nos roupa e brinquedos, mas necessitamos mais de arroz ou leite, por exemplo.
Esta casa tem funcionários aqui a trabalhar. Há uma equipa técnica composta por psicólogos, assistentes sociais, educadores e juristas que têm de ser remunerados e fazem um trabalho especializado. Depois, temos uma equipa de cuidadores que, no dia a dia, tomam conta das crianças e precisam ser remunerados. Temos duas cozinheiras e uma empresa de limpeza que também têm de ser remuneradas.
10. E para a casa nova, como é que podemos ajudar? Sabemos que vão acolher crianças com cuidados especiais, há alguma lista com os bens que necessitam?
As instituições têm despesas, como nós temos nas nossas casas com as nossas famílias. Os nossos meninos andam na escola, precisam de bibes, cadernos. Temos também necessidade de produtos básicos de saúde como água do mar, cremes, alimentação, etc e precisamos de dinheiro para comprar carne e peixe.
11. Por último, o que a inspira, qual a sua motivação, a sua força motriz para sem medos avançar?
São as pessoas que eu encontro, que precisam de uma resposta por parte da Ajuda de Berço e que eu possa fazer a diferença na vida delas. São elas que me inspiram. Vale sempre a pena insistir em que alguém mude, vale sempre a pena dar instrumentos para o outro mudar. Acho sempre que tenho a obrigação de ajudar alguém a mudar. Isto para mim é algo muito bom.
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